...PORTA ÓCULOS...
"Do que vale olhar sem ver?"
(Goethe)
O OLHAR
O olhar é muito mais do que função
fisiológica, É uma linguagem forte. É um universo carregado de sentido. É
condensação do mistério do homem. Relata o destino de muita gente. Provoca
alterações decisivas na vida.
Mesmo o olhar indiferente suscita reações
contraditórias. O olhar é, em grande parte, a morada do homem. O universo do
olhar é vasto e misterioso. Olhar habitação que acolhe o próximo que passava
desabrigado. Olhar rejeição que distancia o gesto de diálogo. Olhar atração que
cativa e envolve o semelhante. Olhar envenenado que espalha ameaça.
Olhar inocente que semeia simplicidade
pela face da terra. Olhar malicioso que planta a semente da maldade no corpo dos
homens. Olhar indiscreto que revela as intimidades humanas. Olhar sigiloso que
arquiva quadros dolorosos e cenas humilhantes. Olhar atento que não desperdiça o
menor sinal de boa vontade.
Olhar displicente que esquece a presença
do outro. Olhar compreensivo que apaga os rastos dos erros. Olhar intolerante
que espreita o deslize da fraqueza. Olhar generoso de Cristo que abraça toda
Jerusalém. Olhar mesquinho do fariseu que cata e filtra migalhas.
Olhar pastoral de Cristo que recupera
Pedro hesitante. Olhar encolerizado que fulmina o parceiro. Olhar apelo que
suplica compaixão e ajuda. Olhar intransigência que cobra a última gota de
sofrimento. 'Olhar amor que unifica os que se querem. Olhar ódio que esfaqueia
os que se detestam.
Olhar história que vive a evolução das
construções, o fluxo das gerações, o movimento dos estilos. Olhar documentação
que registra as clareiras dos horizontes, a floração dos campos, o sangue dos
acidentes, o desesperado precipitando-se do edifício, o último aceno de quem
está se afogando.
Olhar de ansiedade que fica na estrada
acompanhando aquele que parte. Olhar de esperança que não sai da estrada,
aguardando a volta do filho pródigo. Olhar do recém-nascido que anuncia a
chegada de uma existência. Olhar do agonizante que procura perpetuar sua
presença entre os que ficam. Olhar evangélico que anuncia o reino de Deus. Olhar
céptico que recusa os sinais da esperança.
Olhar consciente que ativa a reflexão
humana. Olhar coisificado que manipula os homens como objetos. Olhar libertador
que retira o irmão do cativeiro moral. Olhar argentário que industrializa até os
sentimentos humanos. Olhar decidido que busca a realização pessoal.
Olhar evasivo que evita o encontro com a
realidade. Olhar pacifico que reconcilia as vidas separadas. Olhar reticente que
fragmenta a confiança. Olhar de perdão que põe de pé a quem estava caído.
Olhar de rancor que jura vingança
impiedosa. Olhar feroz do perseguidor, do tirano, do opressor. Olhar encolhido,
amedrontado do perseguido. Mas, que grandeza nesse olhar acuado! A última
resistência do homem esmagado se refugia no olhar oprimido.
Diz Levinas que o arbitrário enxerga a
sua vergonha nos olhos de sua vítima. Por isso, o agressor procura destruir,
eliminar o oprimido. Pois não suporta o olhar que o acusa, que o julga, que o
condena.
Mas, o Olhar que a arbitrariedade apaga
na vida do oprimido, reacende-se na consciência do tirano como verme roedor. O
olhar é também linguagem de Deus.
Copiado por JCSJr. Do livro "ESTRADEIRO"
de Juvenal Arduini - Edições Paulinas.